Estamos todos condenados!

Essa semana foi de emoções bem diversas. Praticamente de um dia para o outro enterrei um avô querido e comemoramos a chegada do mais novo membro da família, filho do meu primo.

Nessa conjuntura de ideias na minha cabeça, imaginei uma cena bem estranha: como se um obstetra erguesse a criança pela primeira vez sob a gravidade e dissesse, de presente de nascimento, a seguinte informação: "você vai morrer (apesar de ter nascido agora)".

Pode lhe parecer meio tenebroso, caso você não tenha se acostumado com a ideia da morte, ainda; mas como um produto na prateleira, nós temos validade. 

E não é como os produtos de plástico que usamos como utensílios que têm "validade indefinida": se tudo der certo, nesse passeio, teremos tempo suficiente para dar umas 80 voltas em torno do sol, mais ou menos. 

Porém, qual seria a postura do nosso pequeno infante que recebeu, de cara, a notícia mais decepcionante da existência?

Ele poderia chorar e dizer: "Que vida ingrata! Mal cheguei e já me é apontado o caminho da saída". Com esse pensamento, a notícia de sua própria morte, por si só, teria desperdiçado a sua vida.

Ele poderia fechar os olhos e dizer: "eu aceito minha sentença, não vou me apegar a nada". Embora seja uma evolução do primeiro pensamento (ao menos não está se vitimizando), o jovem homo sapiens rejeita a vida em sua intensidade plena.

Ainda não estou certo desse pensamento e o lanço à crítica silenciosa dos algoritmos de pesquisa: só realmente se vive profundamente quando agimos sem considerar a hipótese da nossa própria morte.

Você casa com uma mulher sem pensar que o enlace será abruptamente enterrompido pela morte, e se entrega em apego como se nada pudesse impedir a continuidade daquele sentimento. 

Não é de outra maneira que muito se usa (nesta fase da vida) as palavras "sempre" e "nunca": "sempre vou te amar" e "nunca vou te deixar".

Porém, nosso expectador bebê ainda está confuso; no enrolar dos primeiros tecidos que o aquescerão ele se pergunta: "devo lamentar a hipótese-morte, torná-la a pauta da minha vida ou, simplesmente, negligência-la?" 

Me parece, meu pequeno condenado, que, assim como nosso romântico casal, a hipótese-morte deve ser esquecida no dia a dia e, quando a lembrança lhe ocorrer inevitavelmente, aceite-a, não para servir de lamento ou estagnação, mas para um autoexame. 

Nessa auditoria de si mesmo a reflexão é: O que posso fazer para ser mais feliz? Quais providências devo tomar para tornar mais satisfatória a vida das pessoas que convivem comigo? 

Mais ainda, jovem mancebo, qual é o teu epitáfio? Se morresse hoje e algum sobrevivente tivesse de descrever o seu obituário, o que ele teria para dizer ao ouvir sua família e amigos? 

"Qual a resposta à essa pergunta, velho filósofo?", a criança me empurra contra a parede: "Devo andar sempre tendo um obituário perfeito? Isso é a receita para a melancolia, pois, quem pode fazer isso?". 

E continua sua indagação: "E, ainda que eu pudesse caminhar sobre esta terra tendo o mais perfeito dos obtuários, o que mais irei querer da vida se assim o for?".

Não, infante, o produto do exercício proposto acima deve sempre te agradar e insatisfazer, ao mesmo tempo. 

A menos que você já tenha percorrido o máximo que este corpo permite aos homens, o teu epitáfio temporário não deve satisfaze-lo e pacifica-lo. Só aos que beiram a mais impertinente das estatísticas é dado esse direito (o que não lhes impede de ter novas realizações). 

Porém, uma vida de realizações não é acompanhada de paz se você não se agrada de seu próprio resumo. Para tanto, o quanto mais você conseguir, deve evitar o desequilíbrio: sucesso na carreira e desastre nos relacionamentos ou um ser excepcional no físico e péssimo com as emoções; o inverso também é verdadeiro. 

A vida, criança filósofa, é a arte do equilíbrio. Ao exercitar o seu prognóstico final de vida você deve sempre buscar o sentimento de quem fez o melhor que pôde com o que teve; porém, sempre acompanhado da inquietude de que há muito a se fazer - se os dias lhe forem graciosamente ofertados pela Graça Divina


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