O que é um cientista político? (e por que eu não sou um)
Muitas vezes, eu me peguei pronto a dar uma entrevista para rádios ou para outros meios em razão do fato de eu ser professor de ciência política na faculdade.
Isso acabou fazendo com que as pessoas perguntassem se eu era um cientista político, porque muitas vezes a pauta requeria um cientista político para falar e analisar uma determinada situação.
Eu, todavia, apesar de saber que, se dissesse que era um cientista político, estaria com a entrevista garantida em um jornal ou rádio de grande circulação, sempre neguei a posição de ser um cientista político. Vou explicar as razões neste post.
A primeira razão pela qual neguei até agora o fato de ser um cientista político é que eu não produzo ciência constantemente sobre o assunto. Apesar de dar aula sobre ciência política também ser uma forma de ciência, isso não é suficiente para que eu me sinta pessoalmente habilitado a me nomear dessa forma.
Existem cursos de ciência política, tanto de graduação quanto de pós-graduação, e também existe a profissão de cientista político. A profissão consiste, dentro das pesquisas que realizei, em fazer análises políticas para governos ou organizações privadas com vistas a compreender a conjuntura política de um determinado local no espaço-tempo. Esse é basicamente o conceito de ciência política.
Diferente de teoria do Estado, a ciência política se preza a analisar uma conjuntura, um momento específico da realidade. Enquanto a teoria do Estado visa conceituar aquilo que virou padrão de comportamento social e político ao longo de vários anos, trazendo teorias acerca do Estado, da sua organização e da sua evolução.
Eu, em algumas ocasiões, me prestei a fazer análises políticas, principalmente para as empresas em que atuo como advogado no escritório. Essas empresas queriam saber o que poderia acontecer após uma determinada eleição ou se um projeto de lei teria possibilidade de ser aprovado.
A oportunidade em que mais fiz análises políticas foi justamente durante a iminência da aprovação da nova Lei de Licitações e Contratos, hoje conhecida como Lei nº 14.133/2021.
Acompanhei esse projeto de lei para fins de estudo desde 2016. Aprofundei-me mais no projeto durante minha pós-graduação, entre 2018 e 2019. No entanto, quem acompanhou aquela época percebe que o período de vigência absoluta da nova lei de licitações foi uma controvérsia longa, que demandou anos de dúvidas e medidas provisórias. Até hoje, em alguns casos, ainda se veem exceções à utilização exclusiva da legislação atual, em detrimento da famosa Lei nº 8.666/93.
Durante esse período, os clientes frequentemente me procuravam para saber se a nova legislação seria aprovada, quando isso aconteceria e quais seriam as implicações.
Por exemplo, uma das previsões da nova lei era sobre a possibilidade de pedir uma rescisão do contrato ou a opção de suspender o contrato em caso de atraso da administração. Inicialmente, o período em que você poderia exercer esse direito no projeto de lei era de um mês, em contraste com os 90 dias previstos na lei anterior.
Os clientes queriam saber se essa mudança realmente seria aprovada. Minha expectativa era de que talvez esse ponto fosse alterado, pois um mês seria muito pouco tempo dentro de uma estrutura acostumada a atrasar pagamentos. Isso realmente foi alterado na última semana antes da votação do projeto pelo Senado Federal.
Isso demonstra que a análise política dentro da estrutura do direito e da advocacia é de extrema importância quando há um conhecimento combinado. Não é por outra razão que ensino ciência política no curso de graduação em Direito. Porém, a pergunta que fica é: seria eu, portanto, um cientista político?
A resposta é que provavelmente não. Provavelmente, apenas o que estou fazendo é exercer a advocacia da melhor forma possível dentro da base em ciência política. Ou seja, a análise política não é uma atribuição exclusiva do profissional da ciência política, é uma ferramenta utilizada por outras profissões. Isso não faz dessas outras profissões, ou desses profissionais, cientistas políticos, necessariamente.
Percebo que muitas pessoas na internet se intitulam cientistas políticos, sobretudo para não perder oportunidades como as que destaquei no início deste artigo. Oportunidades de dar palestras, de dar entrevistas.
Quando alguém diz: "Eu só vou lhe entrevistar se você se apresentar como um cientista político" a pessoa pode afirmar isso para garantir a entrevista e aparecer como cientista político.
Porém, a responsabilidade de colocar uma atividade pontual como título essencial da sua vida é grande. Quando alguém diz: "Eu sou um cientista político" está assumindo uma responsabilidade enorme.
Acredito que um professor de ciência política não é necessariamente um cientista político, assim como um professor de filosofia não é necessariamente um filósofo.
São passos importantes, mas são apenas o início de um trabalho muito mais robusto e sério, que demanda mais dedicação do que ter a ciência política como um papel coadjuvante em uma profissão, como é o caso da advocacia.
Para finalizar, se houver alguma dúvida nesse sentido, o indivíduo que se forma em um curso superior de ciência política é um bacharel em ciência política: não necessariamente será um cientista político, pois esta é uma profissão que ele só exercerá se decidir seguir por esse caminho.
Um bacharel em ciência política ou alguém que fez uma especialização em ciência política é um especialista na área, mas isso não o torna automaticamente um cientista político.
Outra questão que pode ser levantada é se alguém que não tem nenhuma dessas formações poderia ser um cientista político.
Como não há regulamentação estatal específica para essa profissão, é possível ser cientista político sem necessariamente fazer um curso formal. Assim como é possível ser filósofo sem um diploma superior, o que vai limitar essa atuação é a força da lei, que estabelece condições burocráticas para o exercício de certas profissões, como advocacia, medicina e engenharia. Contudo, isso não ocorre atualmente com a ciência política.
Um cientista político deve colocar no centro da sua atividade a análise política de forma contínua, sistemática e científica. Isso inclui fazer análises detalhadas do sistema político, da organização do Estado em determinadas conjunturas, e entender as repercussões nos diversos poderes e agentes políticos.
É necessário ter uma análise diária e científica sobre a conjuntura política. Além disso, a produção científica de relatórios e artigos é fundamental para um cientista político. Essa produção sistemática ajuda a construir um entendimento profundo e abrangente sobre a política e suas dinâmicas.
Quando você encara a ciência política como uma profissão, emitir sua opinião em uma entrevista de rádio ou em uma reunião com um cliente que não vai durar mais do que 30 minutos ou uma hora não é necessariamente fazer ciência.
A ciência vem a partir de relatórios ou artigos, utilizando-se do método científico, com provas do que está sendo dito. Utilizando elementos específicos, documentos, e análise de discursos: o leitor, mesmo que não confie em você pessoalmente, pode confiar na metodologia utilizada.
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Imagem gerada pelo ChatGPT 4º, em 02 jul 24, mediante prompt do autor. |
A análise política que faço atende sobretudo às pessoas que confiam em mim previamente e, portanto, não exigem que eu produza um material com rigor científico. Se alguém que não confia em mim não quiser ouvir ou concordar com o que digo por falta de rigor científico, pouco me importo, pois não é minha profissão ser cientista político.
Falo para pessoas que confiam no meu julgamento e na minha visão de mundo baseada no conhecimento de ciência política. Isso é diferente do que vejo na internet, onde muitas pessoas sem conhecimento aprofundado em ciência política se intitulam cientistas políticos sem produzir material com o rigor científico necessário.
Portanto, não me nomeio cientista político até o momento em que me proponha a realmente produzir cientificamente o resultado das minhas análises políticas, dedicando muito mais tempo às análises do que faço atualmente.
Ótimo esclarecimento professor. O texto evidencia uma postura consciente em relação à responsabilidade ao compartilhar análises políticas, considerando a importância do rigor científico.
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